Uma visão semiótica sobre jogos

Por Dalton Lopes Martins

INTRODUÇÃO

O que diabos tem semiótica a ver com jogos de computadores? Mais ainda, o que significa semiótica? Bem, esse texto tem a pretensão de ser uma contribuição conceitual sobre o que significa semiótica e de que forma esse conhecimento pode influenciar a forma como temos desenvolvido nossos jogos, além de tentar levantar uma análise crítica sobre aquilo que consideramos um campo ainda pouco explorado nos estudos realizados pela equipe de projetos da Xuti: o projeto de interfaces gráficas.

No desenvolvimento de um projeto computacional, muitas vezes partimos diretamente para a implementação do código e nos esquecemos, ou achamos desnecessário, aquela etapa chata e, de certa forma, extenuante, que é a especificação propriamente dita do projeto. Hoje, temos um vasto universo de metodologias, técnicas que se preocupam com essa etapa. No entanto, a maior parte delas se preocupa muito pouco em compreender realmente os fatores humanos relacionados ao projeto e já partem para a especificação de questões essencialmente técnicas, ou seja, de implementação, como a especificação de classes, definição do fluxo de informação, casos de uso, entre outras.

A semiótica possibilita a construção de um corpo teórico conceitual que nos permite analisar a forma como tentamos nos comunicar através de nossos sistemas de informação, aos quais um jogo não deixa de se enquadrar. Através de seu ramo direto, a semiótica organizacional, adquirimos uma série de métodos capazes de nos auxiliarem a identificar esses fatores humanos relacionados a um determinado projeto e que podem trazer uma evolução qualitativa na implementação do próprio projeto, através da forma como encaramos a relação usuário-sistema.

O QUE É SEMIÓTICA ?

A semiótica é a ciência geral das linguagens, segundo Lucia Santaella. Tá, e daí? A questão central aqui é entender o que consideramos linguagem e, provavelmente, expandir esse conceito para que possamos compreender a que a semiótica se propõe. O conceito de linguagem é bastante genérico para que possamos considerar que uma interface computacional é uma linguagem buscando interagir com o usuário, muitas vezes, através de uma metáfora. Como exemplo, podemos citar o caso do ambiente gráfico do Windows, que é uma metáfora de um desktop, ou seja, de uma mesa de trabalho. Essa linguagem se expressa através de signos, como as letras do alfabeto, a morfologia das palavras, a semântica e a sintática na linguagem escrita. Podemos identificar alguns signos como caráter ilustrativo: a lixeira (simbolizando uma lixeira (!!!) onde jogamos papéis inúteis, ou seja, documentos que desejamos apagar), a pasta de diretório (simbolizando um “lugar” onde podemos armazenar nossos documentos), enfim, a lista poderia ser interminável, mas o mais importante nesse momento é se fixar na idéia de signo substituindo algo do mundo real e nos possibilitando interagir através da interpretação pessoal que podemos ter de um determinado signo ou conjunto de signos. É aqui que a coisa fica interessante.

Pois é, certamente se você é um usuário constante de programas de computador já deve ter se deparado com algum símbolo pela frente e não ter a menor idéia do que ele representa. Bem, aqui surge a semiótica como ferramental de análise que pode explicar o por que desse símbolo não ser compreendido, quais são as suas deficiências, e, principalmente, o que poderia ser sugerido como contraposição para tornar a interface e seus símbolos mais intuitivos, mais diretos e, portanto, de uso mais simples e imediato.

Dessa forma, fica mais fácil percebermos que os símbolos dispostos numa interface computacional constituem uma linguagem e, portanto, podemos imaginar que existem situações em que um mal “texto” é produzido, tornando-se difícil a compreensão e leitura do que se deseja transmitir, dificultando, dessa forma, a interação entre usuário-sistema.

SEMIÓTICA ORGANIZACIONAL

Esse é um ramo da semiótica dedicado ao estudo das organizações através da lente da semiótica. Por organização, podemos entender qualquer grupo que se organize socialmente em torno de algum objetivo em comum, ou seja, desde a família até uma multinacional.

O que é proposto aqui é a questão de que no ambiente de uma organização, além dos signos que utilizamos cotidianamente na comunicação, a própria organização é um agente vivo e produz em seu interior uma forma subjetiva e objetiva de comunicação, portanto, de utilização de signos própria, que têm significado apenas dentro do contexto da organização. O estudo desses signos explicita a forma como a organização é estruturada, os fluxos de informações decorrente dessa organização, os gargalos do sistema onde há conflitos em potencial, a dependência ontológica entre os agentes, os padrões de comportamento que são esperados e as normas que regem a codificação dos signos dessa organização.

A semiótica organizacional oferece uma série de metodologias que permitem levantar os pontos acima ressaltados e possibilitar uma visão global e profunda daquilo que entendemos por uma organização. Essas metodologias abordam aspectos desde o estudo da linguagem descritiva utilizada pela organização, a infra-estrutura da mesma e auxiliam a despir o significado subjetivo que há por trás de certas convenções de uma determinada organização, como, por exemplo, horário para tomar café, forma de atender ao telefone, etc.

A grande vantagem desta metodologia é a questão do levantamento das necessidades e requisitos do usuário de um determinado sistema de informação. Em primeiro lugar, a metodologia torna o usuário participante ativo de todas as etapas de análise do problema, evitando assim, a falta de coesão entre o que a equipe de análise pensa e o que o usuário espera. Em segundo lugar, as etapas são recursivas, ou seja, conforme avançamos no projeto, percebemos que faltava alguma coisa e voltamos para complementar a modelagem, evitando, dessa forma, simplificações que possam resultar em falta de coesão ao final do processo.

TA, E DAI ?

Bem, chegamos até aqui e temos já uma noção do que é a semiótica e do que é a semiótica organizacional. Mas, ainda fica a questão de como tudo isso se relaciona com jogos de computadores e de que forma podemos implementar os conceitos acima citados.

  • Um jogo é um sistema de informações
    Podemos iniciar essa discussão definindo um jogo como um sistema de informações, ou seja, um sistema computacional que recebe informações definidas pelo usuário, as processa e gera saídas que procuram responder aos estímulos da entrada. Podemos pensar nisso como um conjunto de sensores lendo informações do ambiente, um processamento dessas informações (que pode ser central ou distribuído, mas isso já é outra discussão) e atuadores que irão modificar as condições do ambiente.
    Sendo assim, podemos entender um jogo como um sistema de informações, logo, como um sistema que se utiliza de uma linguagem para se comunicar, seja internamente com seus sensores e atuadores, seja externamente com o usuário. Para fins dessa discussão, somente nos interessa a comunicação com o usuário. Logo, essa linguagem de comunicação é carregada de símbolos que procuram traduzir interpretações e gerar significados compreensíveis para os usuários do sistema.
  • A linguagem e sua coerência
    O que buscamos aqui é determinar as regras de construção, portanto de coerência, da linguagem gráfica de comunicação. Por exemplo, dissemos no início que o Windows utiliza-se de uma metáfora de mesa de escritório para compor seu ambiente de trabalho. Essa linguagem busca, de uma forma ou de outra, ser coerente com sua proposta ao longo de todas as interfaces do sistema, alcançando sucesso em alguns momentos e confundindo o usuário em outros.
    Há muitos sistemas de informação que simplesmente não se preocupam em definir uma coerência estética em sua codificação e, por não tornar esse preocupação explícita, com suas regras e normas, o sistema acaba se tornando incoerente e de difícil interação com o usuário.
  • Simulando organizações
    Determinados jogos se propõem a simular organizações do mundo real, seja o mercado financeiro, imobiliário, um hospital ou até mesmo o gerenciamento e desenvolvimento de uma cidade ou planeta. Logo, os métodos propostos pela semiótica organizacional poderiam ser extremamente úteis na própria compreensão do funcionamento dessas organizações e na construção do jogo em si, já que definem normas, relações e dependências relacionadas à organização.

CONCLUINDO

Esse artigo fornece apenas uma discussão inicial e uma proposta de uso da semiótica na construção de jogos de computador. Seria necessário ainda uma discussão mais profunda do assunto, com o detalhamento dos métodos citados e exemplos interativos que pudessem servir de subsídio às idéias desenvolvidas. No entanto, como proposta inicial, esse artigo visa despertar o interesse pelo assunto e chamar a atenção para novas possibilidades no campo do desenvolvimento de jogos ainda não exploradas.