Game Design Concepts – Level 3: Elementos formais dos jogos

Por Ian Schreiber (http://gamedesignconcepts.wordpress.com/)

Tradução de Bruno Salvatore Drago (www.xuti.net) – Original em http://gamedesignconcepts.wordpress.com/2009/07/06/level-3-formal-elements-of-games/ (Acesso em 26.08.2009)

Hoje marca o último dia na construção do vocabulário crítico em que se discutem os jogos. Na próxima aula iremos mergulhar diretamente no processo de design de jogos (game design). Hoje colocarei as últimas peças que faltam em seus lugares: precisamos de uma maneira de dissecar e analisar um jogo discutindo seus componentes e como eles se encaixam. Isso pode ser útil quando se fala de jogos com outras pessoas (o que seria bom se, por exemplo, mais “game reviews” profissionais fizessem isso de forma adequada), mas também é útil ao projetar nossos próprios jogos. Afinal, como você pode criar um jogo se você não sabe como todas as partes se encaixam?

Uma nota sobre a leitura de hoje

Uma das leituras de hoje foi Formal Abstract Design Tools, de Doug Church. Eu quero mencionar algumas coisas sobre isso. Primeiro, ele menciona três aspectos dos jogos que valem a pena colocar na nossa caixa de ferramentas de design:

  • Intenção do Jogador é definida como a habilidade do jogador para conceber e realizar os seus próprios planos e metas. Voltaremos a isso mais tarde neste curso, mas por hora,  perceba que isso pode ser importante em muitos jogos para permitir que o jogador forme um plano de ação.
  • Consequência Perceptível é definido na leitura como uma reação clara do jogo às ações do jogador. Clareza é importante aqui: se o jogo reage, mas você não sabe como o estado do jogo mudou, então você pode ter dificuldade em relacionar as suas ações com as conseqüências dessas ações. Indico que “conseqüência perceptível” é conhecido por um nome mais comum: o feedback.
  • História é o cerne narrativo do jogo. Note-se que um jogo pode conter dois tipos diferentes de história: a “história incorporada” (criado pelo designer) e a “história emergente” (criada por jogadores). A “história emergente” acontece, por exemplo, quando você contar a seus amigos sobre um recente jogo que você jogou e o que aconteceu com você durante o jogo: “Eu tinha assumido toda a África, mas eu simplesmente não conseguia manter o jogador azul para fora do Zaire”. A “história incorporada” é o que nós normalmente pensamos como a “narrativa” do jogo: “Você está jogando com um bravo cavaleiro aventurando-se no castelo de um mago malvado. O que Doug chama a atenção é que a história incorporada concorre com a intenção e conseqüência – isto é, quanto mais o jogo for sobre trilhas, menos o jogador pode afetar o resultado. Quando Costikyan disse em “I have no words” que os jogos não são histórias, Doug fornece o que eu acho o que é a melhor maneira de dizer o que Costikyan queria dizer.

Aqui está um exemplo do porque a “intenção do jogador” e a “conseqüência perceptível” são importantes. Considere a seguinte situação: você está jogando um jogo de tiro em primeira pessoa. Você caminha até uma parede que tem um interruptor. Você muda a posição do interruptor. Nada acontece. Bem, na verdade, algo aconteceu, mas o jogo não dá qualquer indicação sobre o que aconteceu. Talvez uma porta em algum lugar no nível abriu. Talvez você só liberou um monte de monstros na área e você vai correr para eles logo que você saia da sala atual. Talvez haja uma série de interruptores, e todas elas têm que seguir exatamente o padrão exato de ligar e desligar (ou eles têm que ser acionados na ordem correta), a fim de abrir o caminho para a saída do nível. Mas você não tem como saber, e assim você se sente frustrado que agora você deve fazer uma pesquisa exaustiva de todos os lugares que você já tenha estado no jogo… só para ver se o interruptor fez alguma coisa.

Como você poderia arrumar isso? Colocando um melhor feedback. Uma forma seria fornecer um mapa para o jogador e mostrar a localização no mapa quando o interruptor foi puxado. Ou então, mostrar um corte de cena breve que mostra uma abertura de porta em algum lugar. Tenho certeza que você pode pensar de outros métodos também.

Em outro assunto, Doug também inclui uma nota interessante no final do artigo sobre como ele valoriza beta testes, e metade de seus leitores encontraram as duas primeiras páginas lentas, assim começaram na página 3 se você está nessa metade. Este seria um exemplo de iteração na concepção deste ensaio, exatamente o tipo que falamos.

Agora, eu tenho certeza que essa nota foi, em parte, em tom de brincadeira, mas vamos levá-la literalmente. Há um pequeno problema com essa correção: você não vê a nota até que você já leu todo o artigo, e é tarde demais para fazer algo a respeito. Se Doug fizesse a iteração sobre seu design pela segunda vez, o que sugere que ele fizesse? (Eu ouvi muitas sugestões de meus alunos no passado.)

Qualidades de jogos

Foi observado nos comentários desse curso (o curso originariamente foi colocado num blog) em seu primeiro dia que eu me contradisse: Eu insisti que um vocabulário crítico era importante, e depois passei a dizer que definir plenamente a palavra “jogo” era impossível. Vamos conciliar esse aparente paradoxo.

Dê uma olhada rápida nas definições dadas no primeiro dia de curso. Separe todas as qualidades enumeradas em cada definição que podem ser aplicadas aos jogos. Vemos alguns temas recorrentes: os jogos possuem regras, conflitos, objetivos, tomada de decisões, e um resultado incerto. Os jogos são atividades, são artificiais / seguros / fora da vida cotidiana, são voluntários, contêm elementos de faz-de-conta / representação / simulação, são ineficazes, são arte, e eles são sistemas fechados. Pense por um momento sobre quais outras coisas são comuns a todos os (ou a maioria dos) jogos. Isto fornece um ponto de partida para que possamos identificar elementos individuais de um jogo.

Refiro-me a eles como “elementos formais” de novo, não porque eles têm a ver com vestir um terno e gravata, mas porque são “formais” no sentido matemático e científico: algo que pode ser explicitamente definido. “Challenges” se refere a eles como “átomos” – no sentido de que estas são as menores partes de um jogo que pode ser isolado e estudado individualmente.

Quais são os elementos atômicos de um jogo?

Isso depende de quem você perguntar. Tenho visto diversos esquemas de classificação. Como a definição de “jogo”, ninguém é perfeito, mas, olhando para todos eles, podemos ver alguns temas emergentes que podem lançar luz sobre os tipos de coisas que nós precisamos criar, como designer de jogos, se quisermos fazer jogos.

O que se segue são algumas partes dos jogos, e algumas coisas que os designers devem considerar quando se olha para esses átomos.

Jogadores

Quantos jogadores o jogo suporta? Precisa ser um número exato (4 jogadores apenas) ou um número variável (de 2 a 5 jogadores)? Os jogadores podem entrar ou sair do jogo durante a partida? Como isso afeta o jogo?

Qual a relação entre os jogadores: Eles são times ou individuais? Os times podem ser desiguais? Aqui estão algumas estruturas de jogadores. De forma alguma é uma lista exaustiva:

  • Solitário (1 jogador contra sistema de jogo). Exemplos incluem o jogo de cartas Paciência ou o video game “Campo Minado”.
  • Jogador contra Jogador (Head-to-Head). Xadrez e Go são exemplos clássicos.
  • “PvE”(Party Vs ??? – Jogadores contra o sistema de jogo). “PvE” (multiple players vs. the game system). Isto é comum nos MMOs, como o World of Warcraft. Alguns jogos de tabuleiro puramente cooperativos também existem, como o Senhor dos Anéis, do Knizia’s, Arkham Horror e Pandemic.
  • Um-contra-muitos (1 jogador contra vários jogadores). O jogo de tabuleiro Interpol[i] é um grande exemplo disso. Um jogador é o Mr. X contra um time de detetives.
  • Liberdade para tudo (Free-for-all – 1 jogador contra 1 jogador contra 1 jogador contra…). Talvez essa seja a estrutura mais comum para jogos multiplayers que pode ser encontrada em qualquer lugar, de jogos de tabuleiro como Banco Imobiliário a um “multiplayer deathmatch” de um jogo de tiro em primera pessoa de algum videogame.
  • Indivíduos separados contra o sistema (um jogador contra uma série de outros jogadores). O jogo de cassino Blackjack é um exemplo, onde a “Casa” joga como um jogador contra vários outros jogadores, mas os outros jogadores não afetam muito uns aos outros e realmente não ajuda atrapalhar ou jogar uns contra os outros.
  • · Competição de equipes (jogadores contra jogadores [contra jogadores contra…]). Essa também é uma estrutura comum, e é encontrada em muitos esportes, jogos de cartas como Bridge e Espadas, jogos em grupo online do tipo “capture a bandeira” em jogos de tiros em primeira pessoa ou numerosos outros jogos.
  • Presa-predador. Os jogadores formam um círculo (real ou virtual). A meta de todos é para atacar o jogador à sua esquerda, e defender-se do jogador à sua direita. O jogo de faculdade Assassinato e jogo de cartas Vampire: The Eternal Struggle, ambos fazem uso desta estrutura.
  • Estrela de cinco pontas. A primeira vez que vi isso foi em uma variante de cinco jogadores em “Magic: the Gathering”. O objetivo é eliminar os dois jogadores que não estão no lado oposto de você.

Objetivos (metas)

Qual é o objetivo do jogo? O que os jogadores estão tentando fazer? Isso é muitas vezes uma das primeiras coisas que você pode se perguntar ao projetar um jogo, se você está preso e não sabe por onde começar. Depois de saber o objetivo, muitos dos outros elementos formais parece que vão se definir para você. Alguns objetivos comuns (mais uma vez, isso não é uma lista completa):

  • Capture / destruir. Elimine todas as peças do seu oponente do jogo. Xadrez e Stratego são alguns exemplos bem conhecidos, onde você deve eliminar as forças opostas para ganhar.
  • Controle territorial. O foco não é, necessariamente, em destruir o adversário, mas em controlar determinadas áreas do tabuleiro. RISK e Diplomacia são exemplos.
  • Coleta. O jogo de cartas rummy e suas variantes envolvem a coleta de conjuntos de cartas para ganhar. Bohnanza envolve a coleta de conjuntos de feijões. Muitos jogos de plataformas (como a série Spyro) incluiu níveis onde você tem que coletar um certo número de objetos espalhados por todo o nível.
  • Solução de problemas. O jogo de tabuleiro Clue (ou Detetive, dependendo de onde você mora) é um exemplo de um jogo onde o objetivo é resolver um enigma. Menos conhecidas (mas mais interessante) exemplos são o Castelo da Magia e Sleuth.
  • Perseguição / corrida / fuga. Geralmente, qualquer coisa onde você está correndo em direção ou longe de algo, o jogo de playground pega-pega e o videogame Super Mario Bros são exemplos.
  • Alinhamento espacial. Uma série de jogos envolvem o posicionamento de elementos como objetivo, incluindo os jogos não-digitais Tic-Tac-Toe (jogo da velha) e “Pente” e o jogo de videogame Tetris.
  • Construir. O oposto de “destruir” – seu objetivo é avançar seu personagem(s) ou ampliar seus recursos até um determinado ponto. The Sims tem elementos fortes deste. O jogo de tabuleiro Settlers of Catan é um exemplo também.
  • A negação de um outro objetivo. Alguns jogos terminam quando um jogador realiza um ato que é proibido pelas regras, e que o jogador perde. Exemplos são os jogos de destreza física Twister e Jenga.

Regras (mecânicas)

Conforme mencionado na semana passada, existem três categorias de regras: Configuração (setup) (coisas que você faz uma vez no início do jogo), a progressão do jogo (o que acontece durante o jogo), e a resolução (que condições fazer com que o jogo termine, e como é um resultado determinado com base no estado do jogo).

Algumas regras são automáticas: elas são acionadas em um certo ponto no jogo sem escolhas do jogador ou interação (“Compre um card no início do seu turno”ou “O bônus diminui em 100 pontos a cada segundo”). Outras regras que definem as escolhas ou ações que os jogadores podem ter no jogo, e os efeitos dessas ações sobre o estado do jogo.

Vamos cavar mais fundo. “Rules of Play”, de Salen & Zimmerman classifica três tipos de regras, que eles chamam operacional, constitutiva e implícitas (esses termos não são padrão na indústria, então os conceitos são mais importantes que a terminologia, neste caso). Para ilustrar, vamos considerar as regras do Jogo da Velha:

  • Jogadores: 2
  • Setup: Desenhe um quadriculado de 3×3. Escolha um jogador para jogar primeiro com o X. O oponente será designado com O.
  • Progressão do jogo: Em seu turno, marque um quadrado vazio com o seu simbolo. O jogador então passa a vez ao seu oponente.
  • Resolução: Se você alinhar 3 de seus simbolos em uma linha, coluna ou diagonalmente, você venceu. Se o tabuleiro for completamente preenchido sem vencedores, ocorre o empate.

Essas são o que em “Rules of Play” são chamados de regras operacionais. Pense por um momento: Esas são as únicas regras do jogo?

À primeira vista, parece que sim. Mas e se eu estou perdendo e simplesmente me recuso a jogar outra vez? As regras não dão explicitamente um limite de tempo, então eu poderia “parar” por tempo indeterminado para evitar a perda e ainda estar operando dentro das “regras”, como são normalmente indicados. No entanto, no jogo real, um prazo razoável está implícita. Isso não faz parte das regras formais (operacional) do jogo, mas ainda é parte do que regras de jogo chama de “implícito” de regras. O ponto aqui é que há algum tipo de contrato social não escrito que os jogadores fazem ao jogar um jogo, e estes são entendidos, mesmo quando não declarado.

Mesmo dentro das regras formais, há duas camadas. O tabuleiro de 3 × 3, o “X ” e o “O” são símbolos específicos para o “sabor” do jogo, mas você pode tira-los. Reformulando os locais do tabuleiro como os números de 1 a 9 e realizando um alinhamento espacial em uma propriedade matemática, pode chegar até “três para quinze”. Enquanto o Jogo da Velha e “três para quinze” possuem implementações diferentes e aparências, as regras abstratas são as mesmas. Nós normalmente não pensamos nesses termos abstratos, quando pensamos em “regras”, mas eles ainda estão lá, sob a superfície. “Rules of Play” os chama de regras  “constitutivas”.

É útil fazer a distinção entre esses três tipos de regras? Eu acho que é importante estar ciente delas por duas razões:

  • A distinção entre regras “operacional” e “constitutiva” nos ajuda a entender por que um jogo é divertido, em relação a outros jogos. O clássico jogo de arcade Gauntlet tem uma jogabilidade muito semelhante ao tiro em primeira pessoa DOOM, a maior diferença é a posição da câmera. Para aqueles de vocês que jogam jogos de tabuleiro modernos, uma declaração similar é que Porto Rico é muito semelhante à Race for the Galaxy. A semelhança pode não ser imediatamente aparente porque os jogos são tão diferentes na superfície, a menos que você está pensando em termos de estados de jogo e regras.
  • Muitos jogos de tiro em primeira pessoa contém uma regra que, quando um jogador é morto, eles voltem a aparecer (“respawn”) em um local específico conhecido. Outro jogador pode ficar perto desse local e matar qualquer um que respawns antes que eles tenham a chance de reagir. Isso é conhecido como “spawn-camping” e pode ser bastante irritante para alguém que recebe. O spawn-camping faz parte do jogo (uma vez que é permitido pelas regras)? É boa estratégia, ou é trapaça? Isso depende de quem você perguntar, porque é parte das regras “implícitas” do jogo. Quando dois jogadores estão operando sob diferentes regras implícitas, você acabará por chegar um jogador acusando o outro de trapaça enquanto o outro jogador vai ficar na defensiva e dizer que eles estão jogando pelas regras, e não há motivo para que eles próprios jogarem com desvantagem quando eles estão jogando para ganhar. A lição aqui é que é importante para o designer do jogo para definir quantas dessas regras for possível, para evitar discussões de regras durante o jogo.

Recursos e gerenciamento de recursos

“Recursos” é uma categoria ampla e eu uso para significar tudo o que está sob o controle de um único jogador. Obviamente, isso inclui recursos explícitos (Madeira e Trigo no Settlers of Catan; saúde, mana e dinheiro no World of Warcraft), mas isso também pode incluir outras coisas sob controle do jogador:

  • Territórios no Risk (War)
  • Número de questões remanscentes no Twenty Questions
  • Objetos que podem ser pegos em videogames (armas, power-ups)
  • Tempo (tempo de jogo, tempo real, ambos)
  • Informações conhecidas (como os suspeitos que você eliminou em Clue)

Que tipo de recursos o jogador controla? Como esses recursos são manipulados durante a partida? Isso é algo que o game designer deve definir explicitamente.

Estado do jogo – Game State

Alguns “recursos” não são propriedade de um jogador, mas são apenas partes do jogo: Propriedades que não são de ninguém no Monopoly, as cartas comuns no Texas Hold’em. Tudo que for do jogo, junto, incluindo os recursos na posse de um jogador e tudo mais que representa o jogo em um ponto do tempo é chamado de “game state” – Estado do jogo.

Em jogos de tabuleiro, definir explicitamente um game state não é sempre necessário, mas algumas vezes ajuda para se pensar a respeito. Afinal de contas, quais são as regras pelo qual o jogo passa de um game state para outro?

Em videogames alguém tem que definir o estado do jogo, porque isso inclui todos os dados que o computador deve acompanhar. Normalmente, esta tarefa cabe a um programador, mas se o game designer pode definir explicitamente o game state do jogo e pode ser de grande ajuda na compreensão do jogo pela equipe de programação.

Informação

Quanto do estado do jogo é visível a cada jogador? Alterar a quantidade de informações disponíveis para os jogadores tem um efeito drástico sobre o jogo, mesmo se todos os outros elementos formais permanecem os mesmos. Alguns exemplos de estruturas de informação de jogos:

  • Alguns jogos oferecem total informação sobre o jogo, onde todos os jogadores veem completamente o estado do jogo (game state) o tempo inteiro. Xadres e Go Sào exemplos clássicos de jogos de tabuleiro.
  • Os jogos podem incluir algumas informações que são privadas de cada indivíduo. Pense no Poker e outros jogos de cartas onde cada jogador tem uma mão de cartas que só eles podem ver.
  • Um jogador pode ter suas próprias informações privilegiadas, enquanto os outros jogadores não. Isso é comum nas estruturas de um jogador-contra-muitos, como o Interpol.
  • O jogo em si pode conter informações que está escondida de todos os jogadores. Jogos como o Detetive(Clue) possuem condição de vitória quando um jogador descobre esta informação escondida.
  • Essas estruturas podem ser combinadas. Muitos jogos de “estratégia em tempo real” nos computadores usam o que é chamado de “névoa da guerra”(fog of war), onde certas partes do mapa são escondidos a qualquer jogador que não tem uma unidade no seu campo de visão. Algumas das informações são, portanto, escondidas de todos os jogadores. Além disso, os jogadores não podem ver uns as telas dos outros, de modo que cada jogador tem conhecimento não tem como saber da informação que está ou não disponível para os seus adversários.

Sequenciamento

Em que ordem os jogadores tomam suas ações? Como ocorre o fluxo de execução de uma ação para outra? Os jogos podem funcionar de forma diferente dependendo da estrutura vez que é usado:

  • Alguns jogos são por turnos, na essência: Num determinado momento é a vez (turn) de um jogador, onde ele pode executar suas ações. Quando ele termina, o turno passa ao jogador seguinte. A maioria dos jogos de tabuleiro clássicos e jogos de estratégia por turnos funcionam dessa maneira.
  • Outros jogos São baseados em turnos, mas com jogadas simultâneas (todos possuem a vez de jogar ao mesmo tempo, frequentemente escrevendo suas ações ou jogando uma carta de ação com a face virada para baixo, revelando suas ações todos ao mesmo tempo). O jogo de tabuleiro Diplomacia funciona dessa forma. Existe também uma interessante variante do xadrez, onde os jogadores escrevem suas ações e simultaneamente decidem as ações (duas peças que entram no mesmo espaço no tabuleiro  são ambas capturadas) o que adiciona tensão ao jogo.
  • Existem ainda jogos em “tempo real” onde as ações são tomadas o mais rápido que os jogadores podem fazê-lo. A maioria dos jogos de videogame estão nessa categoria, mas mesmo alguns jogos não digitais (como os card games “Spit” ou o “Speed”) funcionam dessa forma.
  • Existem variações: Em um jogo baseado em turnos, qual a ordem que os jogadores jogam? Obter a vez no sentido horário é comum. Obter a vez no sentido horário e então pular o primeiro jogador (para reduzir a vantagem do primeiro jogador) é uma modificação  encontrada em muitos jogos de tabuleiro modernos. Existem jogos onde o turno (vez) é aleatório a cada rodada, ou onde os jogadores pagam recursos do jogo para obterem o privilégio de jogarem primeiro (ou por último) ou ainda, onde a ordem do turno é determinada pela situação do jogador (jogadores que estão ganhando vão primeiro ou por último).
  • Jogos baseados em turnos podem ainda serem modificados adicionando um limite de tempo explícito ou outra forma de pressão por tempo.

Interação dos jogadores (Player Interaction)

Esse é um aspecto frequentemente negligenciado e muito importante a ser considerado: Como os jogadores interagem uns com os outros? Como eles influenciam uns aos outros? Algusn exemplos de interações:

  • Conflito direto (“Eu ataco você”)
  • Negociação (“Se você me apoiar para adentrar no mar negro, eu o apoiarei para conseguir o Cairo no próximo turno”)
  • Comércio (“Eu te dou madeira em troca de lã)”
  • Compartilhamento de informações (“Eu olhei o tile no último turno e te digo que se você entrar ai, cairá em uma armadilha”)

Tema (ou narrativa, “backstory”[ii] ou posicionamento)

Estes termos têm significados distintos para as pessoas que são escritores profissionais, mas para os nossos propósitos são utilizados indiferentemente para designar as partes do jogo que não afetam diretamente a jogabilidade de nenhuma forma.

Se isso não importa em termos de jogabilidade, por que se preocupar com isto? Há duas razões principais. Primeiro, o posicionamento fornece uma conexão emocional com o jogo. Acho realmente difícil se importar com os peões no tabuleiro de xadrez da mesma forma que  eu me preocupo com a meu personagem de Dungeons & Dragons. E enquanto isso não significa necessariamente fazer um jogo “melhor” do que outro, ele torna mais fácil para um jogador se tornar emocionalmente envolvido no jogo.

A outra razão é que um tema bem escolhido pode fazer um jogo mais fácil de aprender e fácil de jogar, pois as regras fazem sentido. As regras de movimento no Xadrez não têm relação com o tema e devem ser memorizadas por alguém aprendendo a jogar. Por outro lado, os papéis no jogo de Porto Rico têm alguma relação com sua função de jogo: o construtor permite construir edifícios, o prefeito recruta novos colonos, o capitão envia produtos para o Velho Mundo, e assim por diante. É fácil de lembrar o que a maioria das ações realizam no jogo, porque eles possuem alguma relação com o tema do jogo.

Jogo como um sistema

Eu gostaria de chamar a atenção duas coisas sobre estes elementos formais :

Primeiro, se você mudar um único elemento formal, ele pode tornar um jogo muito diferente. Cada elemento formal de um jogo contribui de uma forma profunda com a experiência do jogador. Ao projetar um jogo, reflita sobre cada um desses elementos, e certifique-se que cada um é uma escolha deliberada.

Segundo, perceba que estes elementos estão inter-relacionados, e mudando um pode afetar outros. Regras governam as mudanças no Estado do Jogo (game state). Informações podem às vezes se tornam um recurso. O seqüenciamento pode levar a diferentes tipos de interação entre os jogadores. Alterar o número de jogadores pode alterar os tipos de objetivos que podem ser definidos e assim por diante.

Devido à natureza interrelacionada destas partes, você pode enquadrar qualquer jogo como um sistema. (Uma definição do dicionário da palavra “sistema” é “uma combinação de coisas ou partes que formam um todo complexo)

Na verdade, um único jogo pode conter vários sistemas. World of Warcraft tem um sistema de combate, um sistema de busca, um sistema de guildas, um sistema de chat, e assim por diante…

Uma outra propriedade dos sistemas é que é difícil compreender completamente apenas definindo-os; você ganha uma compreensão muito mais profunda vendo o sistema em ação. Considere o sistema físico de movimento de projétil. Eu posso dar uma equação matemática para definir o caminho de uma bola sendo lançada, e você pode até mesmo prever o seu comportamento … mas a coisa toda faz muito mais sentido se você ver alguém realmente jogar uma bola.

Jogos são assim também. Você pode ler as regras e definir todos os elementos formais de um jogo, mas para entender verdadeiramente um jogo, você precisa jogar. É por isso que a maioria das pessoas não vê imediatamente o paralelo entre o Jogo da Velha e o “três para as quinze” até que eles tenham jogado.

Analise critica de jogos

O que é uma análise crítica e porque nos importamos com isso?

Análise crítica não é apenas um review (análise, descrição) de jogo. Não estamos preocupados com quantas estrelas de um total de 5, ou com alguma nota de 0 a 10, ou se um jogo é ou não “divertido” (seja lá o que iso quer dizer) ou ainda a auxiliar na decisão de  um consumidor se ele deve ou não comprar um jogo.

Análise crítica não significa apenas uma lista de coisas que estão erradas no jogo. A palavra “crítica”, neste contexto, não significa “encontrar uma falha”, mas sim um olhar aprofundado e imparcial no jogo.

A análise crítica é útil quando discutimos ou comparamos jogos. Você pode dizer “eu gosto do jogo de cartas Bang! porque é divertido”, mas isso não nos ajuda, como designers, a aprender o porque é divertido. Temos de olhar para as partes do jogo e verificar como eles interagem, a fim de compreender como cada parte se relaciona com a experiência de jogar.

Análise crítica também é útil quando analisar as nossas próprias obras em andamento. Para um jogo que você está trabalhando, como você sabe o que adicionar ou remover para torná-lo melhor?

Há muitas maneiras de analisar criticamente uma partida. Ofereço um processo de três etapas:

1. Descrever os elementos formais do jogo. Não interpretar a este ponto, basta indicar o que está lá.

2. Descrever os resultados dos elementos formais, quando colocados em movimento. Como os diferentes elementos interagem? Como a jogada se parece? É eficaz?

3. Tente entender porque o designer optou por esses elementos e não outros. Por que essa estrutura de jogadores em particular e por que esse conjunto de recursos? O que teria acontecido se o criador tivesse escolhido de forma diferente?

Algumas questões para se perguntar durante a análise crítica do jogo em diversos estágios:

  • Quais os desafios que o jogador enfrenta? Quais ações os jogadores podem realizar para superá-los?
  • Como os jogadores afetam uns aos outros?
  • O jogo é percebido como “justo” pelos jogadores? (Perceba que ele pode ser ou não justo. Percepção e realidade frequentemente são diferentes)
  • O jogo é “rejogável”? Existem muitos caminhos para a vitória, posições iniciais diversificadas ou regras opcionais que permitem a experiência de jogo ser diferente a cada partida?
  • Qual o público alvo do jogo? O jogo é apropriado para essa audiência?
  • Qual é o “núcleo” do jogo? A coisa que você faz e repete que representa a principal parte “divertida” do jogo?

Lições aprendidas

Cobrimos muito conteúdo hoje. Os principais pontos foram:

  • Jogos são sistemas
  • Compreender um jogo é muito mais fácil se você jogá-lo.
  • Análisar um jogo requer um olhar para todos os elementos que o compõe e imaginar como eles encaixam uns nos outros, e qual a experiência surge deles.
  • Desenvolver um jogo requer a criação de todas as partes do jogo. Se você não definiu os elementos formais do seu jogo de alguma forma, então na verdade você não possui um jogo, você apenas semeou uma idéia. Isso é bom, mas o que você precisa na verdade é desenvolvê-lo.

Homeplay

Me foi alertado que tenho utilizado a palavra “homeplay”para se referir à leitura, e que a leitura não é brincadeira, não importa como eu caracterizar isso. Essa crítica é válida: normalmente em cursos de minha sala de aula eu uso “homeplay” para se referir às atribuições de design e não leituras, e eu misturei os termos aqui em cima. Vou fazer uma tentativa para evitar essa confusão, no futuro, porque acredito que a tentativa de tratar a aprendizagem como uma atividade inerentemente não-divertida (como evidenciado pela necessidade de usar palavras que soam divertidas, para descrevê-lo) é prejudicial para o nosso bem-estar colectivo ao longo prazo. Como veremos quando chegarmos na teoria do fluxo, a realidade é o oposto.

Dito isso, aqui está uma atividade que eu espero que você encontre diversão. Baseia-se no Desafio 2-5 nono texto Challenges, com algumas pequenas alterações apenas para mantê-lo em suas mãos.

Veja como ele funciona. Primeiro, escolha o nível de dificuldade com base na sua experiência anterior com o design do jogo. “Esquiadores” podem achar isso familiar:

Aqui está o desafio:

Muitos jogos com temática de guerra tem por objetivo o controle territorial ou capturar e destruir (como descrito anteriormente). Para esse desafio, você será forçado a ir além dessas fronteiras tradicionais. Você deve desenvolver um jogo não-digital que inclui o seguinte:

O tema precisa estar relacionado a Primeira Guerra Mundial. O objetivo primário dos jogadores não pode ser controle territorial ou capturar/destruir.

Você não pode usar controle territorial ou capturar/destruir como dinâmica do jogo. É isso mesmo: No seu jogo não é permitido conter nenhum conceito de território ou morte de qualquer forma.

O mesmo que o anterior, mas os jogadores não podem se enfrentar em um conflito direto, somente indireto.

Eu criei 3 novas áreas nos foruns (um para cada nivel de jogo). Você deveria colocar suas regras de jogo nesse forum (o curso não está mais em andamento, de modo que somente é possível navegar pelas regras criadas – em ingles)

Então, quando você postar, leia pelo menos dois outros posts no seu nivel de dificuldade e ofereça uma análise construtiva e crítica. Se você está na dificuldade com o quadrado azul ou com o diamante marrom, leia ao menos dois outros posts imediatamente abaixo do seu e ofereça sua experiência para quem você pode ajudar. Tente encontrar posts que ainda não possuem respostas de modo que todos podem conseguir algum tipo de feedback.

Uma nota sobre pesquisas…

Perceba que você pode ter que fazer algumas pesquisas reais para a conclusão deste projeto (mesmo que só olhando para a Wikipédia em busca de inspiração). Isso é típico de game design em campo. Muitos iniciantes imaginam designers de jogos como essas pessoas que simplesmente sentam e pensam em sua mesa o dia todo e então, eventualmente, levantam e proclamam: “Eu tenho uma grande idéia para um jogo! Ninjas … e lasers … no espaço! Vá construí-lo, meu exército de lacaios (programadores e artistas). Eu devo sentar aqui agora até eu aparecer com outra grande idéia, ao coletar royalties de minhas últimas cinco idéias”. Isso não é nem perto da realidade. Uma grande parte do design são os detalhes: a definição das regras, certamente, mas também fazer a pesquisa para se certificar de que as regras se encaixam as restrições e são adequados para o projeto.

Uma nota sobre Propriedade Intelectual…

Neste ponto, alguns de vocês podem estar pensando que, colocando o seu jogo para o fórum, você corre o risco de que alguém vai roubar a sua Grande Idéia. Como você pode se proteger contra a ameaça de alguém que toma a sua ideia de base, transformando-o em um trabalho, jogo vendáveis​​, e deixando você sem nada?

Um dos participantes deste curso, Dan Rosenthal, gentilmente escreveu um artigo que detalha os conceitos básicos de PI (propriedade intelectual) na lei no que se refere aos jogos. O artigo admite ter como foco os EUA, mas a idéia central (o que vale a pena repetir aqui) deve ser boa, não importa onde você está:

Lembre-se, ideias não são protegidos pelos direitos de autor, eles não são registraveis, não são segredo de comércio, e ao mesmo tempo difícil e extremamente caro e proibitivo o uso de patentes. Você não pode protegê-los de qualquer maneira, e você não deveria tentar – em vez disso, você deve tentar conseguir novas idéias, e começar a trabalhar sobre as boas. Não se apavore quando vê as coisas como GameJams, ou este curso e pensar “Ian diz que eu devo postar meus trabalhos para o fórum de discussão, mas eu vim com uma Grande Idéia ™ e eu não quero que outras pessoas a roube”. Ideias são comuns em jogos, e o valor de sua idéia não é nada comparado ao valor da execução dessa idéia, sua experiência e trabalho duro em desenvolvê-lo em algo que vai lhe fazer o dinheiro real. Mas o mais importante, a nossa indústria é muito lateral, muito unida, muito colaborativa. Você vai encontrar pessoas que partilham as suas ideias na GDC, fazendo projetos de colaborativo entre os estúdios, ou usando a inspiração de uma mecânica de jogo para melhorar a outra. Não lute contra isso. Essa é a maneira como as coisas funcionam, e, abraçando aquela atmosfera aberta, você estará muito melhor.


[i] O jogo (e o texto) original se refere ao jogo Scotland Yard. No Brasil, ele recebeu o nome de Interpol. Scotland Yard também existe no Brasil, mas é um jogo completamente diferente. Preferi alterar o texto para o nome conhecido no Brasil para não ter confusões.

[ii] O termo “backstory” se refere a acontecimentos pretéritos em uma história. Não encontrei uma boa tradução ao termo que definisse o termo na mesma idéia o termos. Me foi sugerido o termo “antecedentes”. Preferi manter o termo original.